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CONSUMO POP

Katy Perry. "Deus fez-me, mas eu tentei ajudá-lo"
31.08.2010

Na semana em que é editado o seu novo disco, a intérprete de "I Kissed a Girl" explica-nos como foi dos conventos para os cabarés

Katy Perry estava a enterrar-se. Era a festa de apresentação do seu novo álbum, "Teenage Dream," numa praia improvisada com palmeiras, pranchas de surf e toneladas de areia trazidas de camião para decorarem o espaço no centro de Nova Iorque. A cantora não ficou contente quando viu o pequeno deserto que a separava do lugar onde deveria ser fotografada. "Não quero areia nos meus stilettos", disse, com uma careta, recorrendo a uma frase de uma das suas letras. Mesmo assim, avançou pela areia, insegura em cima dos seus saltos de dez centímetros, enterrando-se a cada passo. Sandálias de praia não fazem parte do guarda-roupa de uma estrela pop como Perry. Depois de apresentar algumas canções, posou para os fotógrafos e deu autógrafos - "To Shawn - Ur a fun-gi" escreveu numa fotografia, assinando o nome com um smiley e dois corações. Na manhã seguinte, num evento de promoção em Times Square, voltou a território familiar, imitando actos sexuais com o microfone perante turistas aos gritos, enquanto cantava e dançava, acabando em cima de um Volkswagen. Não havia areia, mas descalçou os stilettos para não riscar a pintura.

Eis o manual da moderna estrela pop: promoção sem tréguas, relações públicas, desenvolvimento da marca e uma postural teatral atrevida e exagerada. Perry, agora com 25 anos, preenche todos esses requisitos, lucrando tanto com improváveis actuações de cantora gospel, como sendo uma jovem estrela provocadora. Atingiu as primeiras posições nos tops musicais e estatuto na cultura pop, é um valor seguro nas colunas de mexericos graças à sua língua desbragada e ao noivado com o igualmente descarado actor britânico Russell Brand, tem uma conta no Twitter onde é possível acompanhar-lhes a relação. As brincadeiras provocadoras de ambos reflectem-se na música de Perry, repleta de subentendidos bastante óbvios e de referências sexuais atrevidas.

"Ela tem uma visão muito própria", diz Greg Thompson, vice-presidente executivo da EMI, empresa que editou "Teenage Dream" (desde ontem à venda em Portugal). "Qualquer coisa que ela não queira, não acontece. Ela é decididamente a presidente executiva da firma Katy Perry."

Perry não esconde a ambição. "Não quero entrar num restaurante onde as pessoas dizem: ''Ela faz o quê? Quem é ela?"'', disse durante um jantar no Lion, um clube da moda no West Village, Nova Iorque. Ser-se lembrado significa ser-se visível e inconveniente, e Perry está à vontade nos dois domínios.

Boca de caminhoneira
A cantora esquivou-se dos paparazzi que estavam à porta do Lion, sobretudo porque receava que eles captassem uma fotografia demasiado explícita do seu vestido curto de renda cinzenta, quando saísse do carro; o seu estilo, baseado em referências retro-modernas como as pinups e as raparigas japonesas Harajuku, tornou-a uma das figuras preferidas da imprensa de moda. "Somos ambos como personagens vivos de HQ", diz sobre si e Russell Brand.

As obscenidades também fazem parte do vocabulário de Perry. Ela é uma "rapariga linda de cair para o lado", diz Thompson, com uma "boca de caminhoneira".

Perry nasceu na Califórnia, com o nome de Katy Hudson, a segunda filha de dois pregadores itinerantes (usa o apelido de solteira da mãe para evitar confusões com a actriz Kate Hudson). A família acabou por se instalar em Santa Barbara (Califórnia), onde Perry frequentou uma escola cristã. Cantou na igreja, tendo aprendido a tocar viola e a escrever as suas próprias canções aos 13 anos. Vivia afastada da cultura pop mas desfrutava de alguns prazeres tradicionais do sul da Califórnia; foi para um campo de surf cristão onde os miúdos rezavam a pedir ondas grandes. "Fui protegida de uma forma estranha."

No princípio da adolescência soube que queria ser cantora. Quando lhe perguntámos se alguma vez se arrependeu de não ter acabado o liceu, respondeu: "Não, porque há correctores ortográficos em todo o lado." Com a ajuda dos pais, Perry conseguiu um contrato para gravar um álbum de gospel e partiu em digressão por igrejas. "Nessa altura eu estava tão excitada", diz. "Queria ser a Amy Grant." Mas a editora de gospel faliu e Perry regressou à Califórnia, ficando a morar sozinha em Los Angeles, aos 17 anos.

Com o gospel descartado, Perry virou- se para o rock. Cortejou Glen Ballard, que produziu músicas de Alanis Morissette, e conseguiu contratos com duas editoras, acabando por ser abandonada. "Foi do tipo: aqui está o teu bilhete de lotaria, agora devolve-mo", diz a cantora. Para sobreviver, trabalhou numa empresa discográfica de Calabasas (Califórnia). "Não era nada agradável", afirma. Mas Perry acabaria por assinar contrato com a Capitol, que lançou o seu primeiro álbum de música pop, "One of the Boys", em 2008. O single "I Kissed a Girl" vendeu 3,8 milhões de downloads, e foi nomeado para um Grammy - mas não a livrou da controvérsia (a faixa "Ur So Gay" também contribui para a polémica). Afinal, tratava-se apenas de pop: é essa a defesa de Perry, que diz que a sua música é ligeira, divertida e descartável (e também se manifestou a favor do casamento entre homossexuais). Mesmo assim, a sua imagem é posta em causa: será um símbolo de rebeldia ou uma representação da rapariga boazinha que se desviou do bom caminho? Um produto fabricado pela indústria discográfica ou uma pessoa com um sentido excêntrico de estilo?

A bitola Gaga
As respostas são maioritariamente positivas: o "Teenage Dream" é uma fórmula que se ouve bem na rádio, juntamente com algumas faixas tontas ("Peacock"), baladas e hinos veementes ("Firework", que Perry considera a sua canção preferida). Thompson, da EMI, põe em cima da mesa os factos: o single "California Gurls" já esteve mais de três meses no topo, ou perto, da lista "Billboard Hot 100" e veio juntar-se-lhe a faixa "Teenage Dream"; "One of the Boys" foi disco de platina (mas o "MTV Unplugged: Katy Perry", de 2009, não teve boa aceitação). Sadie Stein, do blogue Jezebel, fez notar que, ao contrário de Lady GaGa - a bitola para todas as principais cantoras pop actuais -, Perry não é muito ameaçadora, apesar das obscenidades e subentendidos. "Ela encaixa-se no modelo de uma menina bonita a fazer-se bonita e a desempenhar papéis femininos, embora seja realmente subversiva", diz. "É possível que esteja a piscar o olho, mas todo o resto do seu corpo está bastante nu enquanto o faz."

"Meu Deus, aquela canção é tão aborrecida", disse Perry quando passaram "California Gurls" numa das suas promoções. Ao cumprir os seus múltiplos deveres de divulgação, afinar a imagem e publicitar o álbum, parecia ter momentos de aborrecimento. Quem pode censurá-la por isso? Havia coisas mais importantes a resolver. Como, por exemplo, transportar um hambúrguer recheado, acompanhado de batatas fritas, que ela comprou para a casa que partilha com Brand. "Problemas de estrela pop", brincou ela. Ela dá importância à imagem de queridinha, mas é mais sarcástica do que surpreendente. É fã dos Die Antwoord, um barulhento grupo de rap sul-africano que tem uma solista atrevida; foi vê-los tocar no mês passado, e dançou nos bastidores com Brand, que tinha a camisa quase toda desabotoada.

Perry atribui a Brand a sua estabilidade. E aos pais, que ainda rezam por ela. Mas não vê qualquer contradição na sua trajectória original. "Eu sou o que fiz de mim", diz ela, antes de se corrigir: "Deus fez-me, mas eu tentei ajudá-lo."

O que pensaria sobre a sua vida actual a Perry de 15 anos, aquela cujo sonho de adolescente era ser uma vedeta de gospel? "Penso que o meu eu de 15 anos ficaria excitado e siderado", diz Perry, "e também diria, ''vê se arranjas uma roupinha que te tape um pouco!''
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